Adiante que agora devaneios não colhem.
Opõe-nos a premência do valor FIDELIDADE na sua vertente de limite conjugal. O caro amigo embarca no equívoco mundano que identifica Fidelidade com Sexualidade. São dois universos distintos embora, na conjugalidade, possam ter, é certo, zonas nebulosas de sobreposição.
A SEXUALIDADE, enquanto prática humana telúrica, inata,imanente e natural, radica na própria essência animal da individualidade. Os ímpetos procriativos, mais ou menos animados pelo hedonismo de vertente sexual, estão no cerne do nosso volitivo instinto sexual. A sexualidade é, pois e em essência, uma obra em bruto ainda por trabalhar, cujos critérios surgem apenas a jusante, definidos pelo amadurecer de padrões normativos sociais e morais. A sua vivência é, por definição, independente de qualquer critério reflexivo ou meramente sentimental: assim o é na Natureza onde, com a benção dos tempos e da lógica imemorial, as bestas copulam movidas apenas pelos instintos mais básicos.
A FIDELIDADE, por seu turno, é um valor-fruto de um dado amadurecimento moral da sociedade. A sua origem está fortemente ligada a critérios religiosos e de sustentabilidade económico-social. No domínio religioso em geral a monogamia é vista como forma de um dos cônjuges ter capacidade de sustento do outro cônjuge. Assim o é no Cristianismo onde "não cobiçar a mulher do próximo" traduz mais uma premissa de manutenção de um certo status quo social - rectius segurança no trato social -do que propriamente uma defesa suprema dos vínculos amorosos eventualmente existentes; Assim o é, também, no Islamismo onde a monogamia é derrogada sempre que o elemento masculino possa sustentar mais que uma mulher. A monogamia não se fica por aqui. Assim o era, por exemplo, na mitologia clássica de explicação da Razão das Cousas: Urano unira-se somente a Geia, o Céu e aTerra, para dar ao Universo seus filhos Cronos e Témis, o Tempo e a Justiça.
Este ideário de perfeição monogâmica é - insisto - uma construção valorativa que nada deve à ratio essendi das cousas. É, tão somente, a ânsia criativa do homem na vontade de enformar as sociedades, tipificando comportamentos e, concomitantemente, estabelecendo o correcto e o errado, o Bem e o Mal, o Justo e o Injusto, buscando-se na previsibilidade e certeza das actuações dos indivíduos a segurança necessária à subsistência de uma sociedade.
Acresce a este vontade de segurança e previsibilidade social, o pânico do indivíduo pelo fortuito, pelo desconhecido e pelo ocaso da sua existência. A solidão, indelével certeza com que Cronos nos baptizou, joga aqui o papel de catalisador do receio, empurrrando o ser na busca de certezas mesmo que toldadoras da Liberdade. A morte combate-se na certeza de alguém se lembrar de nós e nos chorar a perda, na fidelidade de um sentimento.
E ei-lo, meu caro, assaz cristalino o fio condutor do meu raciocínio: é ao sentimento que importa lealdade e fidelidade. E, no campo do sentir, as emoções extravazam em muito o mero prazer carnal. Sobrestimar o aspecto sexual é subestimar aquilo que em nós 'stá sentindo.
SONETO DA FIDELIDADE
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes
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